Até algumas décadas atrás, o tratamento curativo para o câncer de próstata era pouco utilizado e a maioria dos pacientes recebia cuidados paliativos. No entanto, nos últimos dez anos, surgiram diversos tratamentos que possibilitam a sobrevivência dos pacientes, como por exemplo o PSMA-Lutécio 177.
Esse avanço é de extrema importância, pois, segundo a American Cancer Society (Asco), o câncer de próstata é a segunda principal causa de morte por câncer em homens, ficando atrás somente do câncer de pulmão.
No Brasil, de acordo com estimativas do Instituto Nacional de Câncer (INCA), foram diagnosticados 65.840 novos casos em 2020. Além disso, o INCA estima que, desses casos, 15.841 tenham sido fatais.
Por isso, é crucial incentivar o diagnóstico precoce do câncer de próstata e, principalmente, garantir que as pessoas que tenham sido e venham a ser diagnosticadas com a doença tenham acesso a tratamentos eficazes e avançados.
O PSMA-Lutécio 177 é uma dessas alternativas avançadas, sendo indicado para tratar o câncer de próstata metastático resistente à castração (mCPRC), quadro que corresponde de 10% a 20% dos casos de câncer de próstata avançados.
Desenvolvido na Alemanha, o PSMA-Lutécio 177 chegou ao Brasil em 2019 e em 2021 foi apresentado na Asco, que é considerado o encontro mais importante de oncologia clínica, ganhando reconhecimento da comunidade mundial.
No Brasil, o tratamento já possui registro na Anvisa e é possível que haja cobertura pelo plano de saúde. Entenda o papel do advogado especialista em Direito à Saúde diante das negativas do plano e saiba mais sobre esse tratamento promissor.
O que é o PSMA-Lutécio 177?
O PSMA-Lutécio 177 é um tratamento de medicina nuclear, especialidade médica que usa pequenas quantidades de substâncias radioativas contidas nos radiofármacos para diagnosticar e tratar doenças.
O tratamento com PSMA-Lutécio 177 combina um peptídeo que se liga a marcadores expressos por tumores e um isótopo radioativo. Como resultado, o DNA é danificado, o que inibe o crescimento e a replicação do tumor.
De acordo com George Coura Filho, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear (SBMN), o reconhecimento do tratamento pela Asco foi de extrema importância no cenário da medicina nuclear.
“Saímos de uma posição de coadjuvantes, apesar do largo uso e comprovada eficácia da Medicina Nuclear, para a de protagonistas ao ter um trabalho científico da especialidade na Asco 2021. Estamos falando de um tratamento que já está em uso, com resultados preliminares muito positivos e que agora ganha a chancela da comunidade global sobre os benefícios da Medicina Nuclear”, celebra o especialista.
Coura explicou que “no passado, quando médico oncologista se deparava com o câncer de próstata avançado, o mais indicado seria o tratamento paliativo. Há mais de uma década, surgiram diversos tratamentos que vêm mostrando benefício na sobrevivência dessa população e a molécula radioativa PSMA-Lutécio 177 entra como possibilidade terapêutica de grande peso nesse cenário. Já estamos oferecendo este tratamento nos pacientes brasileiros. Oncologistas clínicos estão tão entusiasmados quanto os médicos nucleares”.
Quanto custa o tratamento com PSMA-Lutécio 177?
Cada dose do tratamento com o PSMA-Lutécio 177 custa, em média, R$ 30 mil.
O plano de saúde cobre o tratamento?
A Lei dos Planos de Saúde (nº 9.656) determina o seguinte:
“Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei (….).”
Assim sendo, visto que o câncer de próstata faz parte da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), o tratamento deve ser garantido pelo plano de saúde.
Além disso, o PSMA-Lutécio 177 possui registro regular na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Por isso, havendo recomendação médica, o plano de saúde deve custear a medicação.
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Negativa de cobertura pelo plano de saúde
Embora a terapia seja um direito do paciente, a negativa de cobertura do PSMA-Lutécio 177 é uma prática recorrente. Geralmente, a recusa é justificada pela falta de previsão do tratamento no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Nessa situação, a operadora alega que não é obrigada a custear os procedimentos que não constam no rol. No entanto, esse entendimento é equivocado e tem sido contestado pela Justiça.
O julgamento de que a negativa de cobertura de tratamentos não previstos pelo rol da ANS configura prática abusiva foi inclusive sumulado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo:
“Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS.” (Súmula 102, TJSP)
Além disso, o mesmo Tribunal possui uma súmula que condena a negativa de fornecimento do tratamento quimioterápico pelo plano de saúde:
“Havendo expressa indicação médica, não prevalece a negativa de cobertura do custeio ou fornecimento de medicamentos associados a tratamento quimioterápico.” (Súmula 95, TJSP)
Assim sendo, diante da recusa de custeio, o beneficiário pode ajuizar uma ação com o pedido de cobertura do tratamento.
Como ajuizar uma ação contra o plano de saúde?
Para ajuizar a ação, é recomendável buscar a orientação de um advogado especialista em Direito à Saúde e Direitos do Consumidor. Além disso, o paciente deve reunir alguns documentos:
- o relatório médico e a prescrição do tratamento com PSMA-Lutécio 177;
- a negativa de cobertura por escrito (ou então o protocolo de atendimento caso a recusa tenha sido informada por ligação);
- comprovantes de pagamento (caso o paciente tenha sido obrigado a arcar com as próprias despesas) para solicitar reembolso;
- o comprovante de residência;
- a carteirinha do plano de saúde;
- o contrato com o plano de saúde (se possível);
- cópias do RG e do CPF;
- comprovantes de pagamentos das mensalidades (geralmente as duas últimas).
Quanto tempo dura o processo judicial?
Uma ação judicial contra o plano de saúde costuma durar entre 6 e 24 meses. No entanto, visto que tratamentos oncológicos devem ser iniciados com urgência, é possível pedir uma liminar nesse caso.
A liminar é uma decisão concedida pelo Tribunal dentro de poucos dias, e permite o início do tratamento antes do fim do processo.
Qual a jurisprudência sobre esses casos?
Como a negativa de tratamento é baseada em abuso por parte das seguradoras, o Poder Judiciário tem decidido favoravelmente aos pacientes, conforme jurisprudência:
“Ementa: PLANO DE SAÚDE. OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO. Negativa de fornecimento de medicamento quimioterápico prescrito pelo médico especialista. Procedência integral dos pedidos. Inconformismo da operadora requerida. Não acolhimento. Autor diagnosticado com câncer de próstata (CID 10 C61), com prescrição da terapia com o medicamento “177 – Lutécio – PSMA”. Existindo expressa indicação médica para tratamento, medicamento ou realização de exame, não poderia a operadora do plano de saúde negá-lo ao consumidor. Operadora nem ao menos indicou alternativas ao tratamento, que poderiam ser avaliadas pelo médico responsável. Quadro grave, com tratamento já em andamento antes mesmo da concessão da liminar em agosto de 2019, não havendo motivos para a respectiva interrupção, sob pena de grave dano à saúde do beneficiário. Precedentes deste Tribunal em casos envolvendo o mesmo medicamento. Sentença mantida, eis que bem fundamentada, inclusive no concernente ao dano moral. RECURSO DESPROVIDO.” (TJSP, A.C.: 1004571-81.2021.8.26.0609)
“Ementa: PLANO DE SAÚDE. Serviços médicos e hospitalares. Paciente diagnosticado com adenocarcinoma de próstata resistente à castração metastático para ossos. Prescrição médica positiva a realização de tratamento com medicamento Lutécio 177 PSMA. Recusa de cobertura da operadora de saúde. Descabimento. Negativa que restringe obrigação inerente à natureza do contrato (art. 51, IV, e §1º, II, do CDC). Irrelevância de o procedimento não constar do rol de cobertura obrigatória da ANS e de haver exclusão contratual. Desequilíbrio contratual no exercício abusivo do direito que se evidencia na desigualdade material de poder. Lesão à dignidade humana. Interpretação que fere a boa-fé objetiva e contrapõe-se à função social do contrato (arts. 421 e 422 do CC). Conduta que a doutrina moderna caracteriza como ilícito lucrativo. Incidência dos arts. 4º, caput, 7º, 46, 47 e 51, IV, do CDC. Cobertura devida. Custeio integral devido. Sentença mantida. Recurso desprovido.” (TJSP, A.C.: 1086447-67.2020.8.26.0100)
Como é realizado o tratamento?
O tratamento com o PSMA-Lutécio 177 costuma ser realizado em regime day clinic (sem necessidade de internação). Porém, são necessárias, no mínimo, quatro sessões, com intervalos de seis a oito semanas entre as doses.
A administração do medicamento dura cerca de 30 minutos e é realizada através de uma injeção venosa com o auxílio de uma bomba de infusão contínua.
Durante esse período, o paciente deve ficar sob observação e, caso seja necessário, ele poderá receber hidratação e outras medicações para alguns sintomas específicos.
Para fazer o tratamento, é necessário apresentar boa função medular e função renal preservada. Além disso, terapias que levam à supressão medular devem ser descontinuadas seis semanas antes do início da terapia.
Contraindicações
As principais contraindicações do tratamento com PSMA-Lutécio 177 são os casos de:
- expectativa de vida inferior a seis meses, realizada através da escala de performance (ECOG superior a 2);
- incapacidade de executar as medidas de proteção radiológica;
- obstrução do trato urinário ou hidronefrose que não seja passível de intervenção clínica em paciente com risco de retenção urinária;
- deterioração da função renal (creatinina sérica com valor duas vezes acima do limite superior da normalidade ou ritmo de filtração glomerular inferior a 30 ml/min);
- supressão medular com leucócitos abaixo de 3,000/mL e plaquetas abaixo de 75,000/mL;
- elevação de enzimas hepáticas (cinco vezes o valor da normalidade);
- condições que requerem intervenção imediata, como por exemplo, radioterapia e cirurgia para compressão de medula ou estabilização de fraturas.
Reações adversas
Os principais efeitos colaterais do PSMA-Lutécio 177 são boca seca e piora da astenia. Porém, essas reações costumam ser transitórias e podem ser manejadas com medidas clínicas específicas.
Ademais, em alguns casos, podem ocorrer efeitos hematológicos como a supressão de medula, apesar de serem raros e de baixo grau.
Não é arriscado utilizar radiação para tratar o paciente?
A medicina nuclear utiliza quantidades pequenas de radiação que não apresentam risco à saúde do paciente. No caso do PSMA-Lutécio 177, por exemplo, é feita uma distribuição direcionada de radiação ao tumor, o que limita os danos ao tecido normal circundante.
Onde essas pesquisas foram realizadas?
O PSMA-Lutécio 177 foi objeto de estudo em vários centros de pesquisa ao redor do mundo. No entanto, esses estudos eram retrospectivos e, apesar de demonstrarem alguns benefícios, não haviam evidências científicas fortes.
Porém, foi realizado recentemente pela farmacêutica Novartis um estudo randomizado, prospectivo, a respeito do PSMA-Lutécio 177 em parceria com vários centros de pesquisa do mundo inteiro.
Esse estudo demonstrou o melhor nível de evidência do benefício do tratamento com o PSMA-Lutécio 177. Inclusive, essa foi a pesquisa apresentada na plenária do Congresso da Asco em 2021.
Existem pesquisas no Brasil?
Segundo George Coura Filho, vários centros universitários e de formação médica estão participando de um projeto junto com o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) sobre o PSMA-Lutécio 177.
O PSMA-Lutécio 177 utilizado no Brasil é importado?
Sim. O medicamento é importado e, ao chegar no Brasil, recebe uma radiomarcação.
Qual a sobrevida do paciente?
Isso varia de acordo com o estágio do câncer no momento em que o tratamento é iniciado.
Quando aplicado em fases iniciais, o PSMA-Lutécio 177 garante uma sobrevida de alguns anos. Já em casos mais avançados, a sobrevida costuma ser alguns meses superior a de pacientes que não tomaram a medicação.
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