O relatório “O Estado de Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo”, produzido em conjunto por cinco agências da Organização das Nações Unidas (ONU), demonstra que cerca de 2,3 bilhões de pessoas no mundo (29,3%) enfrentaram insegurança alimentar moderada ou severa em 2021, o que representa 350 milhões a mais em comparação com o período anterior ao surto da pandemia de covid-19.
Tal documento foi publicado em 6 de julho de 2022 e fornece novas evidências de que o mundo está se afastando ainda mais de sua meta de acabar com a fome, com a insegurança alimentar e com a má nutrição em todas as suas formas até 2030.
O relatório ainda aponta que cerca de 924 milhões de pessoas, ou seja, 11,7% da população global, enfrentaram a insegurança alimentar em níveis severos, representando um aumento de 207 milhões em dois anos.
Já no Brasil, a prevalência de insegurança alimentar grave em relação à população total aumentou de 3,9 milhões de pessoas (1,9%) entre 2014 e 2016, para 5,4 milhões (7,3%) entre 2019 e 2021.
Isso posto, compreenda quais são as principais causas da insegurança alimentar e saiba qual a sua relação com a fome.
O que é insegurança alimentar?
De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a insegurança alimentar acontece quando as pessoas não têm acesso regular e permanente a alimentos em quantidade e qualidade suficientes para sua sobrevivência.
Assim sendo, a Insegurança Alimentar e Nutricional ocorre quando a Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) não é garantida integralmente.
A legislação brasileira compreende a Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) da seguinte maneira:
- “A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.”
Qual a relação entre a insegurança alimentar e a fome?
Ambos os conceitos estão relacionados a ausência de alimentos e a violação de um direito humano.
Porém, a fome é definida pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma sensação desconfortável ou dolorosa causada pela energia insuficiente da dieta.
Já a insegurança alimentar está relacionada à falta de acesso a alimentos de qualidade, bem condicionado e adequado.
Logo, apesar de a insegurança alimentar não chegar a privar o indivíduo de se alimentar por um grande período de tempo, fazendo com que ele passe fome, ela pode resultar em experiências de fome em determinados momentos.
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Quais são os níveis de insegurança alimentar?
No Brasil, os Níveis de Insegurança Alimentar e Nutricional (ISAN) são apontados pela Escala Brasileira de Medida Domiciliar de Insegurança Alimentar (EBIA), que é utilizada como medida direta da percepção da insegurança alimentar em nível domiciliar.
De acordo com a EBIA, os níveis de (in)segurança alimentar são classificados da seguinte forma:
- segurança alimentar – os moradores do domicílio têm acesso regular e permanente a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente, sem comprometer outras necessidades básicas, como moradia;
- insegurança alimentar leve – quando existe a preocupação ou a incerteza sobre acesso a alimentos no futuro. Em vista disso, a família opta por uma qualidade inadequada de alimento para ter quantidade suficiente para todos;
- insegurança alimentar moderada – no intuito de alimentar a toda a família, acontece a redução da quantidade de comida ou no padrão de alimentação, diminuindo o número de refeições diárias ou a qualidade da comida;
- insegurança alimentar grave – ocorre quando a família não tem dinheiro suficiente para comprar comida. Desse modo, fazem apenas uma refeição ao dia ou passam o dia inteiro sem comer, ou seja, experienciam a fome.
O que diz a lei a respeito da insegurança alimentar no Brasil?
No Brasil, existe a Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006, conhecida como a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional, que criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) no intuito de assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências.
Isso posto, é importante citar, entre outros, o art. 2˚, que dá as seguintes providências:
- Art. 2º – A alimentação adequada é direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal, devendo o poder público adotar as políticas e ações que se façam necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população.
Já em São Paulo, existe a Lei nº 17.819, de 29 de junho de 2022 que, entre outras coisas, dispõe sobre o Programa de Segurança Alimentar e Nutricional no Município de São Paulo, que em seu art. 1˚delimita as seguintes definições:
- Art. 1º – Fica instituída a Política de Segurança Alimentar e Nutricional no Município de São Paulo, com a finalidade de implementar, coordenar e desenvolver programas e ações que visem à aquisição de gêneros alimentícios, produtos de limpeza, higiene pessoal e demais itens voltados à promoção da saúde e qualidade de vida da população, para serem destinados aos consumidores de baixo poder aquisitivo.
Mas afinal, qual a causa da insegurança alimentar?
No Brasil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a principal causa da insegurança alimentar é a desigualdade socioeconômica existente no país.
É importante acentuar que devido a pandemia do novo Coronavírus, essa situação se agravou, tendo em vista que o preço dos alimentos sofreu uma forte alta ao mesmo tempo em que a maioria das pessoas teve a sua fonte de renda diminuída ou cortada.
Segundo a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), uma unidade técnico-científica da Fiocruz que promove atividades de ensino, pesquisa e cooperação no campo da Educação Profissional em Saúde, situações de insegurança alimentar e nutricional podem ser detectadas a partir de diferentes tipos de problemas, tais como:
- fome;
- obesidade;
- doenças associadas à má alimentação;
- consumo de alimentos de qualidade duvidosa ou prejudiciais à saúde;
- estrutura de produção de alimentos predatória em relação ao ambiente;
- bens essenciais com preços abusivos e imposição de padrões alimentares que não respeitem a diversidade cultural.
Na mesma via, especialistas apontam que as causas desse problema mundo afora são diversas e estão relacionadas a fatores das esferas econômica, política, social e ambiental. Entre elas, destacam-se:
- degradação dos solos;
- escassez de água;
- má distribuição e desperdício de alimentos;
- poluição atmosférica;
- mudanças climáticas;
- explosão demográfica;
- crises econômicas e problemas de governança.
Por fim, vale apontar que em 6 de dezembro de 2022 a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e o Programa Mundial de Alimentos (WFP) emitiram um novo relatório especial conjunto a respeito desse assunto.
Nesse documento, denominado “Para uma segurança alimentar e nutricional sustentável na América Latina e no Caribe em resposta à crise alimentar mundial”, advertem que a guerra na Ucrânia e as sucessivas crises internacionais comprometem o acesso da América Latina e do Caribe aos alimentos e a insumos importantes para a agricultura regional.
Para reverter esse cenário, as agências da ONU pedem fortalecimento da produção agrícola e dos sistemas de proteção social para responder ao desafio de combater a insegurança alimentar.
Ademais, o relatório indica que essas causas, combinadas com um aumento das desigualdades sociais, geram um cenário complexo, impactando negativamente a segurança alimentar e a nutrição.
Enfim, é fundamental destacar que a alimentação e nutrição são requisitos básicos para a promoção e a proteção da saúde, pois garantem o pleno desenvolvimento e a qualidade de vida das pessoas inseridas em uma sociedade. Nesse sentido, é dever do poder público respeitar, proteger, promover, prover, informar, monitorar, fiscalizar e avaliar a realização do direito humano à alimentação adequada, bem como garantir os mecanismos para sua exigibilidade.
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