Pessoas transgêneros são aquelas que não se identificam física ou psicologicamento com seu sexo biológico de nascença. Nesse caso, o indivíduo pode – ou não – passar por uma série de processos para adequar o sexo anatômico ao psicológico, inclusive cirúrgicos.
Para isso, muitas pessoas se submetem a uma cirurgia de redesignação sexual, que altera as características físicas do órgão genital.
Esse procedimento foi realizado pela primeira vez no Brasil no ano de 1971, mas a primeira manifestação do Conselho Federal de Medicina sobre o tema só aconteceu nos anos 90.
Desde então, muitas coisas mudaram, e a cirurgia passou a ser oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no ano de 2008. Nesse mesmo ano, foram realizadas 101 cirurgias pela rede de saúde pública.
Contudo, apesar dos avanços, o acesso a esse tipo de procedimento ainda é uma questão complicada. De acordo com dados do Ministério da Saúde, entre 2008 e 2018 o governo federal pagou somente 474 procedimentos cirúrgicos a transgêneros.
A demorada fila de espera está relacionada principalmente à falta de equipes habilitadas para realizar a cirurgia. Em 2018, apenas cinco unidades habilitadas pelo SUS ofereciam o procedimento.
Com isso, a espera pode chegar a quase 20 anos em alguns estados e, por isso, muitos pacientes procuram cirurgiões particulares. No entanto, o alto custo da cirurgia pode ser um impedimento para a maioria desses indivíduos.
Diante disso, a única alternativa do paciente é recorrer ao plano de saúde com o pedido de cobertura da cirurgia.
O que é a cirurgia de redesignação sexual?
A cirurgia de redesignação sexual, também chamada de cirurgia de readequação genital ou transgenitalização, é um procedimento que altera as características genitais de nascença de uma pessoa.
Essa intervenção é feita com o objetivo de adequar as características físicas dos órgãos genitais àquelas socialmente associadas ao gênero que o indivíduo se reconhece.
O procedimento de redesignação sexual envolve diversas intervenções, e costuma incluir:
- terapia hormonal;
- remoção de pênis e colocação de próteses mamárias para mulheres trans;
- remoção de útero, ovários e mamas para homens trans.
- construção de um novo órgão genital.
O plano de saúde cobre o procedimento de readequação genital?
Até o ano de 2018, a transexualidade fazia parte da lista de transtornos mentais da Organização Mundial da Saúde (OMS). Contudo, a sua classificação passou de transtorno mental para incongruência de gênero.
Ainda assim, a transexualidade integra a Classificação Internacional de Doenças (CID-10), com a seguinte definição:
“A incongruência de gênero é caracterizada por uma incongruência acentuada e persistente entre o gênero experiente de um indivíduo e o sexo designado. O comportamento e as preferências das variantes de gênero, por si só, não são uma base para atribuir os diagnósticos nesse grupo.”
Com isso, em tese, a cobertura da redesignação sexual deve ser fornecida pelo plano de saúde, conforme prevê a Lei dos Planos de Saúde (nº 9.656):
“Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei (….).”
Além disso, a cirurgia de readequação genital integra o rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que prevê uma cobertura mínima obrigatória que deve ser garantida pelas operadoras de saúde.
Se a redesignação sexual é prevista pelo rol da ANS, por que ocorre a negativa de cobertura?
Antes de fazer parte do rol da ANS, a cirurgia de redesignação sexual era um alvo recorrente das negativas de coberturas das operadoras de saúde, que alegavam que não eram obrigadas a custear os procedimentos que não constavam no rol.
Com a inclusão da cirurgia na lista de procedimentos obrigatórios, era de se esperar que as negativas de cobertura chegassem ao fim. No entanto, muitos planos de saúde ainda negam o custeio das despesas médicas.
Atualmente, a alegação mais comum é que a cirurgia possui caráter estético e, por isso, sua cobertura não é obrigatória. No entanto, a readequação genital é um procedimento reparador, que provém de indicação psiquiátrica, endocrinológica e psicológica.
Cobertura parcial
Outra questão que tem preocupado os pacientes é a cobertura parcial da cirurgia. Isso porque, ainda que procedimentos como a amputação parcial ou total de membros genitais estejam incluídos no rol, existem outros que ainda não estão, como a clitoroplastia.
Por este motivo, pode ser difícil fazer o procedimento por completo através do plano de saúde. Contudo, o entrave colocado pelas operadoras nessa situação é indevido e viola os direitos do segurado.
A Justiça tem entendido que a falta de previsão no rol da ANS não afasta o dever de o plano de saúde de cobrir o procedimento. Esse entendimento foi inclusive sumulado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo:
“Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS.” (Súmula 102, TJSP)
Portanto, diante da recomendação médica e em sendo o único e/ou melhor meio para o tratamento, o plano de saúde em tese deve cobrir integralmente as despesas da redesignação sexual. Caso contrário, o paciente tem a faculdade de recorrer ao Poder Judiciário com o pedido de custeio.
Também pode te interessar:
Transexual tem direitos mesmo sem cirurgia
Entenda o que é o Nome Social
Implante de silicone pelo plano de saúde
Como ajuizar uma ação para garantir a cobertura da operação pelo convênio médico?
Para ajuizar a ação, sempre deve-se analisar cada caso concreto, sendo recomendável buscar a orientação de um advogado especialista em Direito à Saúde e Direitos do Consumidor. Além disso, o paciente deve reunir alguns documentos:
- a recomendação médica para cirurgia de redesignação sexual;
- a negativa de cobertura por escrito (ou então o protocolo de atendimento caso a recusa tenha sido informada por ligação);
- comprovantes de pagamento (caso o paciente tenha sido obrigado a arcar com as próprias despesas) para solicitar reembolso;
- o comprovante de residência;
- a carteirinha do plano de saúde;
- o contrato com o plano de saúde (se possível);
- cópias do RG e do CPF;
- comprovantes de pagamentos das mensalidades (geralmente as duas últimas).
Quanto tempo dura a ação judicial?
Nos caso em que tem cabimento o pedido do paciente. o processo judicial para conseguir a cobertura de um procedimento pelo plano de saúde costuma durar entre seis e 24 meses. No entanto, em alguns casos é possível agilizar o andamento da ação.
Isso é possível quando há urgência para realizar o procedimento, pois a falta de tratamento ameaça a saúde do segurado. Nesse caso, ajuiza-se a ação com o pedido de liminar, uma decisão concedida em caráter de urgência dentro de poucos dias.
Como funciona atualmente a cirurgia de redesignação sexual?
O procedimento de readequação genital varia de acordo com o paciente. Confira:
Cirurgia masculina
Para homens trans, o procedimento mais comum é a metoidioplastia, uma cirurgia que dura de duas a três horas e pode custar em torno de R$ 45 mil.
A cirurgia é considerada rápida, pouco invasiva e permite a preservação da sensibilidade natural e a capacidade de ereção. Além disso, é possível realizar outros procedimentos simultaneamente, como a remoção de útero, por exemplo.
Outro método para a redesignação sexual nesse caso é a neofaloplastia, uma cirurgia que utiliza enxertos da pele, músculos, vasos e terminações nervosas do antebraço ou da coxa do paciente para criar o neopênis.
No entanto, esse procedimento é mais complexo e mais caro e, por isso, é pouco realizado.
Cirurgia feminina
A cirurgia mais comum nesse caso envolve uma técnica de inversão peniana modificada. Esse procedimento dura em torno de sete horas e pode custar, em média, R$ 36 mil.
Quem pode fazer a cirurgia de redesignação sexual?
De acordo com a legislação, os requisitos para se fazer uma cirurgia de readequação sexual são:
- ter, pelo menos, 21 anos de idade;
- fazer acompanhamento psicológico;
- fazer acompanhamento psiquiátrico;
- contar com o apoio de um assistente social;
- fazer acompanhamento endocrinológico;
- possuir uma vivência social mínima de dois anos como o gênero com o qual o paciente se identifica.
A cirurgia de transgenitalização é coberta pelo SUS?
Como observado acima, o SUS cobre a transgenitalização, assegurando o fornecimento dos seguintes procedimentos:
- acompanhamento clínico e ambulatorial pré e pós-operatório;
- tratamento hormonal;
- orquiectomia bilateral;
- neocolpoplastia;
- tireoplastia;
- amputação de órgãos genitais;
- mastectomia;
- histerectomia;
- colpectomia;
- meatoplastia;
- meatotomia;
- fistulectomia;
- plástica mamária reconstrutiva;
- cirurgias estéticas para correções complementares.
O Escritório Rosenbaum Advogados tem vasta experiência no setor de Direito à Saúde e Direitos do Consumidor. O contato pode ser feito através do formulário no site, WhatsApp ou pelo telefone (11) 3181-5581. O envio de documentos é totalmente digital.
Imagem em destaque: Freepik (@freepik)