No dia 2 de setembro, o presidente Jair Messias Bolsonaro sancionou a Lei nº 14.443/2022, que altera algumas regras da Lei do Planejamento Familiar (Lei nº 9.263/1996), facilitando o acesso à laqueadura e à vasectomia.
A mudança representa um grande avanço e foi comemorada por especialistas.
Para Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), “não havia maior afronta ao princípio da autonomia da vontade, em flagrante desrespeito à dignidade da pessoa”.
“Quem sabe agora, com estas alterações e estabelecimento de prazos, seja assegurada efetividade a direito constitucionalmente garantido”, comenta a ex-magistrada.
Siga na leitura para saber mais sobre a Lei nº 14.443/2022 e entender o que ela implica.
O que é Planejamento Familiar?
De acordo com a própria legislação, planejamento familiar é um direito que todo cidadão de regular a fecundidade, com o objetivo de que sejam garantidos direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal.
Ou seja, o planejamento familiar é um conjunto de ações que visam dar autonomia às pessoas e famílias, para que elas possam ter quantos filhos quiserem, quando quiserem e com toda a assistência necessária.
Para isso, devem ser oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção que possuam eficácia comprovada cientificamente e que não representem risco à vida e saúde.
Esses métodos englobam:
- acesso às informações;
- auxílio à concepção e contracepção;
- atendimento pré-natal;
- assistência ao parto;
- puerpério e ao neonato;
- controle das doenças sexualmente transmissíveis;
- esterilização;
- controle e prevenção do câncer de colo do útero, de mama e de pênis.
Todos esses procedimentos fazem parte do SUS?
Sim. Visto que o planejamento familiar é um direito de todos, o Sistema Único de Saúde (SUS) deve fornecer todos os métodos contraceptivos e conceptivos previstos pela legislação.
Dois exemplos comuns do planejamento familiar na saúde pública são a vacinação contra Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), como a Hepatite B e o HPV, e a disponibilização de preservativos nos postos de saúde.
Além disso, existem diversos conteúdos gratuitos que visam educar e informar a população acerca do planejamento familiar e reforçar a importância da manutenção da saúde sexual e reprodutiva.
O que muda com a Lei nº 14.443/2022?
Atualmente, a Lei do Planejamento Familiar prevê que:
- é necessário o consentimento expresso de “ambos os cônjuges” para tornar possível a esterilização fértil;
- a idade mínima para esterilização voluntária é de 25 anos, para homens e mulheres;
- é proibida a laqueadura no período do parto.
Essas normas são alteradas pela Lei nº 14.443/2022, que propõe as seguintes mudanças.
- não será mais necessário o consentimento expresso de “ambos os cônjuges” para tornar possível a esterilização fértil;
- a idade mínima para esterilização voluntária será 21 anos, para homens e mulheres;
- possibilidade de laqueadura no período do parto.
Além disso, a nova legislação estabelece um prazo máximo de 30 dias para a disponibilização de qualquer método e técnica de contracepção.
As novas regras já estão valendo?
Ainda não. De acordo com o 4º da própria legislação, a nova norma só passa a vigorar após 180 dias da sua publicação oficial.
Assim sendo, o novo texto começa a valer a partir do mês de março de 2023.
Nova regra contribui para a autonomia da mulher
Ao se manifestar sobre a nova regra, a diretora nacional do IBDFAM, Ana Carla Harmatiuk, destacou que “embora o direito ao planejamento familiar pertença ao casal, o direito ao próprio corpo não é compartilhado. É pessoal e intransmissível”.
“Em um contexto no qual se proíbe o aborto, as mulheres se encontram especialmente sobrecarregadas pelo cuidado dos filhos, e há uma ausência paterna em registros civis de crianças e de adolescentes, dispensar o consentimento do cônjuge para procedimentos de esterilização voluntária significa garantir igualdade de gênero”, explica a advogada.
A especialista ressaltou que, para os homens, paternar é uma escolha, “o que é suspeito se considerada a situação das mães, a quem socialmente se impõe deveres árduos por conta da gravidez”.
Por isso, a advogada acredita que a necessidade de autorização para laqueadura carrega consequências mais pesadas para as mulheres.
Planejamento familiar e a cobertura dos planos de saúde
Desde 2009 está em vigor a Lei nº11.935, que prevê a cobertura do planejamento familiar pelos planos de saúde a fim de impedir a negativa de cobertura para laqueadura, vasectomia e colocação de dispositivo intra-uterino (DIU), procedimentos que fazem parte do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), desde 2008.
No caso da colocação de DIU, basta procurar o médico ginecologista e solicitar a cobertura do procedimento pelo convênio.
Já para as cirurgias esterilizadoras (laqueadura e vasectomia), além da orientação do médico ginecologista ou urologista, é necessário que o paciente se enquadre nos requisitos previstos pela legislação que, atualmente, ainda exige:
- capacidade civil plena;
- autorização do cônjuge;
- idade superior a 25 anos ou então que o paciente tenha, pelo menos, dois filhos vivos;
- cumprimento do prazo mínimo de 60 dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico para os devidos aconselhamentos e informações;
- que em caso de risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, seja testemunhado em relatório escrito e assinado por dois médicos.
No entanto, é importante ressaltar que, a partir de março do ano que vem, essas regras mudam e, além da idade mínima para realizar o procedimento mudar para 21 anos, também deixa de ser necessário apresentar autorização conjugal.
A operadora de saúde pode se negar a cobrir esses procedimentos?
Embora a legislação seja clara, casos de negativa ainda podem acontecer. No entanto, o consumidor tem o direito de contestar a recusa que, se for injustificada ou não fundamentada, pode ser indevida.
Nessa situação, o beneficiário pode, inclusive, registrar queixas na plataforma Consumidor.gov, na ANS, no Procon do seu estado ou até mesmo, acionar a Justiça.
Como ajuizar uma ação contra o plano de saúde?
Para ajuizar a ação, é recomendável buscar a orientação de um advogado especialista em Direito à Saúde e Direitos do Consumidor. Além disso, o paciente deve reunir alguns documentos:
- a prescrição médica e o relatório médico autorizando e indicando que o procedimento é o mais indicado para o seu caso, justificado através de estudos científicos (quanto mais detalhes o médico incluir no relatório, melhor);
- a negativa de cobertura por escrito (ou então o protocolo de atendimento caso a recusa tenha sido informada por ligação);
- comprovantes de pagamento (caso o paciente tenha sido obrigado a arcar com as próprias despesas) para solicitar reembolso;
- o comprovante de residência;
- a carteirinha do plano de saúde;
- o contrato com o plano de saúde (se possível);
- cópias do RG e do CPF;
- comprovantes de pagamentos das mensalidades (geralmente as duas últimas).
Quanto tempo dura o processo judicial?
Um processo judicial contra o plano de saúde leva, em média, de seis a 24 meses para ser julgado. No entanto, se for comprovada a urgência em realizar o procedimento, é possível agilizar o processo.
Para isso, o beneficiário pode ajuizar a ação com o pedido de liminar, que é uma decisão concedida pelo juiz em caráter provisório dentro de poucos dias.
O Escritório Rosenbaum Advogados tem vasta experiência no setor de Direito à Saúde e Direitos do Consumidor. O contato pode ser feito através do formulário no site, WhatsApp ou pelo telefone (11) 3181-5581.
Todo o envio dos documentos e os trâmites do processo são feitos de forma digital, sem necessidade da presença do cliente.