
A saúde de milhões de brasileiros é diretamente influenciada por decisões tomadas nos mais altos tribunais do país. Recentemente, um novo capítulo foi escrito nessa história com a nova decisão do STF sobre plano de saúde, que estabeleceu regras mais rígidas e detalhadas para a cobertura de tratamentos que não estão na lista oficial da Agência Nacional de Saúde Suplementar.
Este veredito representa o marco mais significativo dos últimos anos para o setor, impactando a vida de mais de 52 milhões de beneficiários no Brasil.
A complexidade e a relevância do tema são tão grandes que pautaram discussões em grandes veículos de comunicação. Em matéria da Exame sobre o assunto, Léo Rosenbaum, advogado especialista em direito à saúde e CEO da Rosenbaum Advogados, ajuda a decifrar os pontos mais sensíveis e as consequências práticas dessa mudança para o consumidor.
Compreender as novas diretrizes não é mais uma opção, mas uma necessidade para quem depende da saúde suplementar para cuidar do bem mais precioso: a vida.
O histórico da controvérsia: por que o rol da ANS foi parar no Supremo?
Para entender a dimensão da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), é fundamental conhecer a jornada que levou a este ponto, e no centro de todo o debate está o Rol da ANS, uma lista de referência que detalha os procedimentos, exames e tratamentos que as operadoras de planos de saúde são, por lei, obrigadas a cobrir.
Por anos, uma pergunta dividiu pacientes, operadoras e o próprio Judiciário: essa lista é “taxativa” ou “exemplificativa”?
Se o rol fosse considerado taxativo, as operadoras só teriam a obrigação de cobrir o que estivesse expressamente listado, criando uma barreira para tratamentos novos e inovadores.
Por outro lado, se fosse exemplificativo, a lista funcionaria como um piso mínimo de cobertura, permitindo que tratamentos não listados, mas indicados por médicos, também fossem cobertos.
Essa disputa atingiu um ponto crítico em 2022: primeiro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o rol era, em regra, taxativo, o que gerou uma onda de insegurança e desamparo entre pacientes que dependiam de terapias não listadas.

A reação da sociedade e do poder público foi imediata. Em poucos meses, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 14.454/2022, determinando que o rol seria exemplificativo, desde que fossem atendidas certas condições, como a comprovação da eficácia do tratamento.
A controvérsia, no entanto, estava longe de terminar.
Entidades que representam as operadoras de saúde levaram a questão ao STF, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7.265, argumentando que a nova lei trazia imprevisibilidade e risco financeiro ao sistema.
A sucessão de decisões conflitantes em um curto espaço de tempo — STJ, Congresso e, finalmente, o STF — revelou uma profunda instabilidade na regulação do setor, deixando o consumidor em meio a um cabo de guerra jurídico.
A decisão final do STF, portanto, não foi um ato isolado, mas uma tentativa de estabelecer um equilíbrio, criando o que especialistas chamam de “taxatividade mitigada“: a cobertura fora do rol é possível, mas sob condições muito mais rigorosas.
Os 5 critérios cumulativos: o guia definitivo para garantir a cobertura, segundo a nova decisão do STF sobre plano de saúde
O ponto central da decisão do STF é a criação de cinco requisitos que devem ser atendidos simultaneamente para que um plano de saúde seja obrigado a custear um tratamento não previsto no Rol da ANS.
A palavra-chave aqui é “cumulativamente”: a ausência de apenas um desses critérios é suficiente para que a operadora possa, legalmente, negar a cobertura.
A seguir, detalhamos cada uma dessas novas regras.

1. Prescrição por médico ou odontólogo habilitado
Este é o ponto de partida de qualquer solicitação. O tratamento deve ser formalmente indicado pelo profissional de saúde que acompanha o paciente, seja ele médico ou odontólogo.
Embora pareça um requisito básico, ele agora funciona apenas como a primeira de uma série de barreiras que precisam ser superadas. A prescrição, por si só, não garante mais o direito à cobertura.
2. Inexistência de alternativa terapêutica no Rol da ANS
Aqui, a responsabilidade do paciente e de seu médico aumenta consideravelmente. É preciso comprovar, de forma inequívoca, que os tratamentos e procedimentos já disponíveis na lista da ANS não são eficazes para aquele caso específico.
Isso significa que o laudo médico precisa ir além da simples prescrição; ele deve ser um documento robusto, detalhando quais tratamentos do rol foram tentados sem sucesso ou por que eles são inadequados para a condição clínica do paciente.
A comprovação da inexistência de uma alternativa terapêutica viável no rol é um dos pilares da nova regra.
3. Comprovação científica de eficácia e segurança
A opinião ou experiência do médico assistente, isoladamente, não é mais suficiente. O tratamento proposto deve ter sua eficácia e segurança validadas pela ciência.
A decisão do STF exige uma comprovação científica baseada em evidências de alto nível, ou seja, estudos e pesquisas reconhecidos pela comunidade médica internacional que atestem os benefícios do procedimento. Na prática, isso pode exigir que o paciente anexe ao seu pedido artigos científicos que sustentem a indicação médica.
4. Registro na Anvisa
Qualquer medicamento, material ou tecnologia indicado para o tratamento deve possuir registro válido na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Este critério busca garantir a segurança do paciente, impedindo a cobertura de tratamentos experimentais, off-label, ou de produtos que não passaram pelo crivo regulatório brasileiro.
Isso limita, por exemplo, o acesso a medicamentos importados que, embora aprovados em outros países, ainda não foram registrados no Brasil.
5. Ausência de negativa expressa da ANS
O último critério adiciona uma camada de complexidade administrativa. A ANS não pode ter emitido um parecer técnico negando expressamente a inclusão daquele tratamento em seu rol.
Além disso, não pode haver um processo de análise sobre a incorporação da tecnologia ainda pendente na agência. Isso exige que, antes de solicitar o tratamento, seja verificado o status regulatório do procedimento junto à ANS.
Como isso pode afetar as operadoras de saúde?
Para o advogado Léo Rosenbaum, as novas regras podem acabar sendo “um tiro no próprio pé” para as operadoras.
“Os requisitos previstos pelo STF, como comprovação científica, ausência de tratamento alternativo no rol e prescrição médica detalhada, são todos subjetivos. […] Isso pode gerar uma insegurança jurídica maior e um número ainda maior ainda de demandas judiciais, impactando negativamente o custo dos planos.”
Léo Rosenbaum
Apesar de prever um possível aumento no número de ações judiciais, Rosenbaum acredita que os critérios mais rigorosos ajudam a reduzir êxito em casos infundados, especialmente em situações de fraude.
O especialista também ressalta que aqueles pacientes que já tiveram seus tratamentos autorizados por decisão judicial não devem ser afetados. No entanto, é possível que a mudança acabe impactando ações em andamento.
“Vamos ver como os planos de saúde vão receber as solicitações de tratamento a partir de agora e qual vai ser o direcionamento da jurisprudência dos tribunais.”
Léo Rosenbaum
Como o beneficiário é impactado pela nova decisão do SFT sobre plano de saúde?
A nova decisão do STF sobre plano de saúde inaugura uma nova era na saúde suplementar brasileira. Ela estabelece um caminho mais claro, porém inegavelmente mais árduo, para que os pacientes tenham acesso a tratamentos e tecnologias de ponta que ainda não foram incorporados ao rol da ANS.
Porém, mesmo com uma jornada mais criteriosa, o paciente ainda pode recorrer ao judiciário diante de uma negativa de cobertura e lutar pelos seus direitos.
Em um cenário com regras mais estritas e onde o ônus da prova recai majoritariamente sobre o consumidor, a assistência de um profissional especializado em Direito à Saúde torna-se ainda mais importante. A complexidade dos novos critérios exige um conhecimento técnico que vai além do direito do consumidor geral, envolvendo a capacidade de interpretar laudos, dialogar com a classe médica e até mesmo analisar estudos científicos.
O papel do advogado especializado não se resume a entrar com uma ação judicial após a negativa. Uma atuação estratégica começa muito antes, orientando o paciente e a equipe médica sobre como construir a documentação necessária para cumprir os cinco requisitos do STF.
Esse profissional pode analisar a negativa da operadora para identificar falhas e abusividades, e avaliar a viabilidade de uma disputa judicial com base nas novas regras, evitando desgastes com processos sem chances de sucesso.
Embora o cenário apresente mais desafios e exija uma postura mais proativa por parte dos beneficiários, a informação continua sendo a ferramenta mais poderosa. Conhecer as novas regras, entender a importância de uma documentação médica robusta e saber quais são os seus direitos são os primeiros e mais importantes passos para navegar neste ambiente mais complexo e garantir o acesso ao tratamento adequado.
A discussão sobre este tema é ampla e envolve diversas perspectivas. Para aprofundar seu conhecimento e conferir a análise completa dos especialistas, convidamos você a ler a matéria na íntegra no site da Exame.