O beneficiário, mesmo honrando os pagamentos e regras de contratação de planos de saúde, vê-se, muitas vezes, sob situações abusivas. Esse cenário comum tem levado ao aumento de ações judiciais contra as operadoras e com isso, consolidado o posicionamento dos Tribunais – a jurisprudência – na maioria em favor do consumidor. Conheça, neste artigo, as principais queixas perante os planos de saúde e a jurisprudência de cada caso.
Há muito se observa um aumento exponencial de processos judiciais contra operadoras de planos de saúde que, mesmo diante da regular contratação e adimplência (pagamento) das mensalidades, causam transtornos e percalços aos seus consumidores, impedindo-os da utilização parcial ou total do plano de saúde.
Diante das práticas abusivas operadas pelos planos de saúde e o consequente ingresso judicial dos consumidores, o Poder Judiciário consolidou diversos entendimentos, denominados jurisprudências, que visam coibir os ilícitos cometidos pelas operadoras.
Neste artigo, veremos quais são os casos mais recorrentes de atos ilícitos cometidos pelas operadoras de planos de saúde e o posicionamento da jurisprudência diante de suas ocorrências.
Jurisprudências em casos de negativa de cobertura
A negativa de cobertura consiste na obstrução à permissão da realização de, sobretudo exames, cirurgias e utilização de medicamentos, como os de alto custo, especialmente para quimioterapia, neurológicos, oftalmológicos, para tratamento de asma severa, hepatite C e HIV .
Os motivos que geram a negativa de cobertura do plano são, principalmente:
- não cumprimento da carência;
- o procedimento solicitado não constar no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar);
- não constar na cobertura contratual do plano de saúde.
É importante ressaltar que relativo à carência de tempo do contrato, a ANS permite que seja estabelecido um prazo para que o consumidor possa iniciar o uso do plano adquirido. Porém, esse prazo não pode ser superior ao determinado pela própria ANS, principalmente quando houver caráter de urgência.
Negativa de cobertura por cumprimento de carência
“Ementa: (…) Diagnóstico de emergência do autor, em razão da cardiopatia. Afastamento da carência contratual nessa situação. (…) Impossibilidade de limitação da internação em razão da situação de emergência. Risco de morte. Precedentes. Hipótese de incidência das Súmulas 92 e 103 do Tribunal de Justiça de São Paulo Abusividade e ilegalidade reconhecidos. Limitação que ofende a boa-fé objetiva e o objeto da contratação firmado entre as partes. – Dano moral pretendido pelo autor – Desacolhimento – Precedente da 6ª Câmara de Direito Privado – Sentença mantida – Recursos principal e adesivo desprovidos.” (TJSP; A.C. 1003033-17.2018.8.26.0077)
Súmula 102 do TJSP e as ações contra negativas de cobertura
“Ementa: (…) Negativa de cobertura de procedimentos cirúrgicos na coluna lombo-sacra e materiais necessários à cirurgia – Alegação de que as cirurgias e materiais foram considerados impertinentes ao tratamento pela junta médica e não previsão de cobertura contratual – Necessidade dos procedimentos cirúrgicos e materiais devidamente comprovada pelo relatório médico (…)Aplicação do Código de Defesa do Consumidor – Súmula nº 102 deste Egrégio Tribunal de Justiça – Rol da ANS que não pode ser considerado taxativo – Agência reguladora que não pode limitar direito de forma a tornar inócuo o tratamento (…) Dever da operadora de fornecer integral tratamento à segurada, conforme prescrição médica – Operadora que não se insurgiu quanto à obrigação de custear os honorários da equipe médica – Pagamento que deve ser realizado diretamente aos profissionais, pelos serviços prestados – Sentença reformada em parte, apenas para determinar que o pagamento dos honorários da equipe médica seja realizado diretamente aos médicos. Dá-se provimento ao recurso dos autores e nega-se provimento ao recurso da ré.” (TJSP; A.C. 1104236-21.2016.8.26.0100)
No caso citado acima, o procedimento não está inserido no rol da ANS de práticas cobertas pelo plano de saúde. Mas, a jurisprudência entende que o referido rol não é taxativo, e sim exemplificativo, sendo que a impossibilidade de utilização do plano de saúde implicaria ao consumidor grande desvantagem, causando transtornos que não podem ser admitidos.
Este referido entendimento foi consolidado na Súmula 102 do Tribunal de Justiça de São Paulo e costuma ser aplicado em diversos casos de ação contra plano de saúde.
“Ementa: (…) Decisão que defere a liminar pleiteada para compelir a ré a autorizar a fornecer ao autor o medicamento “Pembrolizumabe 200mg, a cada 21 dias em dose fixa” – Insurgência da requerida, alegando que ausentes os requisitos para a concessão dos efeitos da tutela; que o tratamento é off label; que não consta do rol da ANS e; existência de expressa cláusula contratual restritiva, conforme permissão contida no artigo 54, § 4º, do CDC – Negativa de fornecimento que implica em negação do próprio objeto do contrato – presença dos requisitos ensejadores da tutela de urgência – Manutenção da decisão recorrida – Agravo não provido.” (TJSP; A.I. 2030318-34.2020.8.26.0000)
“Ementa: (…) Plano de saúde. Cobertura. Exame. Tomografia de coerência óptica. Rol da ANS não é taxativo.(…) Caracterização de dano moral. Indenização arbitrada em R$ 5.000,00. Apelação provida. Oposição de aclaratórios sob alegação de omissões, alegando que o rol da ANS é taxativo, existindo outros procedimentos cobertos pelo plano que alcançam o objetivo desejado pelo autor. Alega inclusive que inexiste o dano moral diante da previsão contratual.(…) Não há violação direta e frontal a dispositivos legais e constitucionais. Matéria discutida considerada prequestionada. Embargos rejeitados.” (TJSP; Embargos de Declaração Cível 1015408-71.2019.8.26.0576)
Jurisprudência em casos de reajuste abusivo do valor da mensalidade
Inicialmente, cabe ressaltar que a ANS autoriza três tipos de reajustes: anual, por faixa etária e por sinistralidade – quando a operadora alega que o consumidor utilizou o plano mais do que o previsto.
Entretanto, apesar dos aumentos estarem previstos em contrato, o aumento do valor da mensalidade não pode ocorrer por mera liberalidade da operadora, devendo as cláusulas contratuais relativas aos reajustes estarem claras e o índice a ser aplicado delimitado no contrato.
Ocorrendo o reajuste abusivo do valor da mensalidade, a jurisprudência entende como prática de má-fé por parte da operadora, inclusive devendo ocorrer a devolução dos valores pagos a maior dos últimos três anos:
“Ementa: (…). Reajuste anual indevido, em decorrência da violação do dever de informação. Ausência de comprovação de como se chegou, concretamente, aos percentuais indicados. Cláusula contratual que se mostra pouco clara, não esclarecendo os componentes do reajuste e sua forma de cálculo. Abusividade evidenciada. Substituição dos percentuais aplicados pelos autorizados pela ANS para os planos individuais/familiares. Prescrição trienal que apenas abarca a pretensão de restituição dos valores indevidamente pagos, e não o direito de pleitear a revisão dos reajustes. Sentença parcialmente revista. Recurso do autor provido. Recurso da ré desprovido.” (TJSP; A.C. 1086225-36.2019.8.26.0100)
Portanto, diante das incansáveis práticas abusivas e ilícitas por parte das operadoras, é notório que o Poder Judiciário se empenha em defender os direitos dos consumidores, por meio da jurisprudência de plano de saúde, fazendo com que a relação entre operadora e consumidor possa se tornar igual na medida de suas desigualdades.
Artigo escrito pelo advogado Victor Toschi do escritório Rosenbaum Advogados, especializado em direito à saúde.
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