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Plano de saúde deve custear integralmente cirurgia de R$ 206 mil em hospital da rede credenciada

Direito à Saúde
Martelo da justiça e estetoscópio sobre contrato, ilustrando a decisão judicial que negou o reembolso limitado para cirurgia em hospital da rede credenciada, protegendo os direitos do consumidor.
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Redação

Publicado: outubro 9, 2025
Tempo estimado de leitura: 11 minutos

A notícia da necessidade de um procedimento cirúrgico complexo já traz consigo uma carga de estresse e preocupação, mas, para muitos brasileiros, essa ansiedade é amplificada por uma segunda batalha: a luta contra o próprio plano de saúde para garantir a cobertura devida.

Em um cenário onde a saúde deveria ser a única prioridade, consumidores se veem mergulhados em burocracias, negativas e propostas de pagamentos parciais que transformam o cuidado em um pesadelo financeiro. É nesse contexto que uma recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) surge como um farol, reafirmando que os direitos do paciente não podem ser subjugados por interpretações contratuais restritivas.

O caso em questão expõe uma prática comum e indevida: a tentativa de impor um reembolso limitado para cirurgia em hospital da rede credenciada, uma manobra que a Justiça tem consistentemente rechaçado para proteger o consumidor.

Direitos do consumidor no plano de saúde

Para compreender a magnitude de decisões como essa, é fundamental conhecer as ferramentas legais que protegem o beneficiário de um plano de saúde. Longe de ser uma relação comercial comum, o contrato de assistência à saúde é regido por uma legislação robusta que visa equilibrar a balança entre a operadora e o consumidor, a parte mais vulnerável da relação.

O pilar central dessa proteção é o Código de Defesa do Consumidor.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio da Súmula 608, pacificou o entendimento de que “aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde”. Isso significa que princípios como a boa-fé, a transparência, o dever de informação e, crucialmente, a proibição de cláusulas abusivas são mandatórios em qualquer apólice de saúde.

A operadora não pode, portanto, redigir um contrato que, na prática, anule os direitos do beneficiário ou o coloque em desvantagem exagerada.  

Contratos antigos não ficam para trás

Uma das alegações mais recorrentes das seguradoras para justificar negativas é a de que o contrato do cliente é “antigo”, ou seja, foi assinado antes da vigência da Lei dos Planos de Saúde (nº 9.656/98). Contudo, essa é uma tese que o Judiciário já derrubou de forma consolidada.

A Súmula 100 do Tribunal de Justiça de São Paulo é categórica ao afirmar que “o contrato de plano/seguro saúde submete-se aos ditames do Código de Defesa do Consumidor e da Lei n. 9.656/98 ainda que a avença tenha sido celebrada antes da vigência desses diplomas legais”.

Essa determinação impede que as operadoras criem uma categoria de “segunda classe” de beneficiários, garantindo que as proteções legais modernas se estendam a todos, independentemente da data de assinatura do contrato.  

O que são cláusulas abusivas?

O artigo 51 do CDC define as cláusulas contratuais que são nulas de pleno direito por serem consideradas abusivas. No contexto dos planos de saúde, uma das práticas mais combatidas pela Justiça é a exclusão de cobertura para materiais, medicamentos ou exames indispensáveis a um procedimento cirúrgico coberto pelo plano.

A lógica é simples e irrefutável: se o plano cobre a cirurgia, ele deve, por consequência, cobrir todos os meios necessários para a sua realização. Negar um material essencial , como uma prótese ou um stent, é o mesmo que negar a própria cirurgia, esvaziando a finalidade do contrato.

Essa prática viola a chamada “função social do contrato”, um princípio que estabelece que o acordo deve cumprir seu objetivo primordial — no caso, garantir a assistência à saúde.  

Caso Bradesco Saúde: reembolso limitado para cirurgia em hospital da rede credenciada

A decisão judicial analisada serve como um estudo de caso exemplar sobre como esses princípios são aplicados na prática para garantir os direitos do consumidor. Ela desmascara as táticas utilizadas por algumas operadoras e reafirma a obrigação da cobertura integral quando o atendimento ocorre dentro da rede contratada.

O caso envolveu um paciente que, diante de um quadro de saúde urgente, necessitou de uma complexa cirurgia de coluna (cirurgia endoscópica, osteoplastia, radioscopia e monitorização).

Corredor de um hospital particular de alto padrão, representando o cenário da cirurgia de coluna cujo plano de saúde foi obrigado a fornecer cobertura integral após tentativa de impor limites de reembolso.

Seguindo a indicação médica, o procedimento foi agendado em um hospital de referência, o Sírio-Libanês, que, segundo o consumidor, constava como parte da rede de seu plano. A conta hospitalar totalizou R$ 206.424,89.

Diante da cobrança, a operadora Bradesco Saúde se recusou a arcar com o custo total, iniciando um impasse que levou o caso à Justiça. A defesa da empresa se baseou em uma série de argumentos técnicos, que foram metodicamente analisados e rejeitados pelo Judiciário:  

  • Limitação de reembolso: a seguradora alegou que o reembolso deveria seguir os limites de reembolso previstos na tabela do contrato, o que resultaria em uma cobertura muito inferior ao custo real do procedimento.  
  • Reembolso sem desembolso: A empresa argumentou que só poderia reembolsar valores que o paciente comprovasse já ter pago ao hospital, exigindo que o consumidor arcasse com a dívida de mais de R$ 200 mil do próprio bolso antes de solicitar o ressarcimento parcial.  
  • Contrato antigo e não adaptado: A operadora invocou o fato de o contrato ser anterior à Lei nº 9.656/98 como justificativa para a aplicação de suas cláusulas mais restritivas.  
  • Hospital fora da rede: Implicitamente, a defesa da seguradora tratava o caso como se o hospital fosse de “livre escolha”, e não parte da rede credenciada, para justificar a aplicação das tabelas de reembolso.  

A resposta da Justiça: ponto a ponto

A decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo foi um verdadeiro manual de proteção ao consumidor, desmontando cada um dos argumentos da seguradora com base na lei e na jurisprudência consolidada.

O primeiro ponto foi que o hospital era credenciado.

O paciente afirmou que o Hospital Sírio-Libanês era credenciado ao seu plano, e a seguradora, em sua defesa, não conseguiu provar o contrário. A Justiça, portanto, considerou este um “fato incontroverso”. Essa constatação foi fatal para a tese da seguradora.

O tribunal estabeleceu que, se o hospital pertence à rede credenciada, a discussão sobre limites de reembolso se torna completamente irrelevante.

A lógica é que as cláusulas de reembolso limitado se aplicam apenas a situações de “livre escolha”, ou seja, quando o paciente opta por um médico ou hospital que não tem convênio com o plano. Quando a escolha recai sobre um prestador da própria rede, a obrigação da operadora é garantir a cobertura total e direta dos custos.  

Como consequência direta do hospital ser credenciado, a Justiça rechaçou o argumento do “reembolso sem desembolso”. A decisão afirmou que, em atendimentos na rede, a relação financeira se dá entre a operadora e o hospital.

O paciente é o beneficiário do serviço, não um intermediário financeiro. Exigir que ele pague uma conta de centenas de milhares de reais para depois buscar um ressarcimento parcial foi considerado uma prática abusiva que impõe ao consumidor um ônus desproporcional.

A sentença foi clara ao determinar o pagamento direto ao hospital pela seguradora, inclusive citando que essa modalidade estava prevista no próprio contrato.  

A decisão também reforçou que a cobertura do procedimento cirúrgico engloba, necessariamente, todos os materiais e medicamentos inerentes a ele. Qualquer cláusula que tente limitar ou excluir esses itens essenciais é nula, pois contraria a própria natureza do contrato de saúde, que é a de garantir o tratamento necessário à recuperação do paciente.  

O impacto da decisão para outros consumidores

Esta vitória judicial transcende o caso individual e estabelece importantes precedentes que fortalecem todos os beneficiários de planos de saúde no Brasil. O impacto da decisão se manifesta em diversas frentes.

A decisão combate uma prática perversa: a de oferecer uma rede credenciada de hospitais de ponta no material de vendas, mas, na prática, penalizar financeiramente o cliente que os utiliza.

Ao determinar a cobertura integral, a Justiça envia uma mensagem clara de que “rede credenciada” significa acesso garantido e custeio total, não um sistema de “pegadinhas” onde a escolha de um hospital mais bem equipado resulta em dívidas para o paciente.

Isso protege o consumidor do que se pode chamar de “falso livre-arbítrio”, onde a liberdade de escolha dentro da rede é, na verdade, uma armadilha contratual.

A determinação do pagamento direto ao hospital é, talvez, o aspecto de maior impacto prático. Ela remove o consumidor do centro de uma disputa financeira esmagadora.

Um paciente que precisa de uma cirurgia urgente e se depara com uma conta de R$ 206.424,89 está em uma posição de extrema fragilidade para negociar. A exigência de pagamento prévio pode levar a pessoa a desistir do tratamento no local indicado.

Ao ordenar que a seguradora se entenda diretamente com o hospital, o Judiciário blinda o cidadão, permitindo que ele foque no que realmente importa: sua saúde e recuperação.  

Por fim, o acórdão reforça que as operadoras não podem se esconder atrás de cláusulas complexas para se eximirem de sua responsabilidade fundamental. A Justiça, mais uma vez, coloca a proteção à vida e à saúde acima das tecnicalidades contratuais, consolidando o entendimento de que os direitos do consumidor são a viga mestra que sustenta a relação com o plano de saúde.

Como agir em situações semelhantes

Se você está enfrentando uma negativa de cobertura ou uma oferta de reembolso limitado para um procedimento em um hospital que pertence à sua rede, é crucial agir de forma estratégica para defender seus direitos. A calma e a documentação de cada passo são suas maiores aliadas.

Paciente analisando documentos e pesquisando em seu notebook como contestar uma negativa de cobertura do plano de saúde e garantir o acesso ao tratamento médico indicado.

O guia a seguir oferece um roteiro prático para lidar com essa situação desafiadora:

  1. Confirme a rede credenciada: antes de qualquer procedimento, entre em contato com a operadora por um canal que gere protocolo (e-mail, chat no aplicativo, telefone com anotação do número) e solicite a confirmação formal de que o hospital e a equipe médica escolhidos pertencem à rede do seu plano.
  2. Formalize o pedido de autorização: sempre submeta o pedido médico detalhado para o procedimento cirúrgico através dos canais oficiais da operadora. Guarde o número de protocolo ou o comprovante de envio.
  3. Exija a negativa por escrito: caso a cobertura seja negada ou oferecida de forma limitada, jamais aceite uma justificativa verbal. Exija que a operadora envie a negativa por escrito (e-mail ou carta), detalhando os motivos e as cláusulas contratuais que supostamente embasam a decisão.
  4. Abra uma reclamação na ANS: com a negativa formal em mãos, o próximo passo é registrar uma Notificação de Intermediação Preliminar (NIP) no portal da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
  5. Busque apoio jurídico especializado: se não for possível conseguir a cobertura através desses passos, é recomendável buscar orientação em um escritório de advocacia especializado em direito à saúde para uma análise aprofundada do seu caso.

O caso analisado é um poderoso lembrete de que a legislação brasileira, em especial o Código de Defesa do Consumidor, oferece uma sólida muralha de proteção aos beneficiários de planos de saúde.

A Justiça tem sido firme em barrar práticas que visam limitar o acesso a tratamentos essenciais, reafirmando que a obrigação da operadora é garantir a saúde, e não apenas gerenciar riscos financeiros de forma a prejudicar o cliente.

A mensagem central é inequívoca: ao utilizar um hospital da rede credenciada, o consumidor tem direito à cobertura integral do seu tratamento, e qualquer cláusula que imponha limites de reembolso ou a obrigação de pagamento prévio é abusiva e pode ser anulada.

Diante de uma negativa, o consumidor não está sozinho. É seu direito questionar, documentar e, acima de tudo, buscar o apoio de especialistas para garantir que seu direito fundamental à saúde seja plenamente respeitado.

Informações do processo:
  • Data da decisão do Acórdão: 29 de julho de 2025
  • Número do processo: Apelação Cível nº 1109421-59.2024.8.26.0100
  • Relator: José Paulo Camargo Magano

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