Imagine receber uma ligação convincente de alguém que parece ser do seu banco, fornecendo detalhes pessoais exatos, e acabar entregando seu cartão a um suposto representante para “perícia”. Isso aconteceu com um consumidor idoso, resultando em perdas financeiras significativas.
Uma recente decisão judicial no Rio de Janeiro reforça os direitos dos consumidores em casos assim, destacando a responsabilidade do banco no golpe do motoboy. Este caso serve como alerta para muitos que enfrentam fraudes semelhantes, mostrando como o sistema judiciário pode intervir para corrigir injustiças.
Entendendo o golpe do motoboy e seus impactos
O golpe do motoboy é uma tática criminosa cada vez mais comum no Brasil, onde fraudadores se passam por funcionários de instituições financeiras para enganar vítimas, especialmente as mais vulneráveis.
Nesse esquema, os golpistas ligam para o cliente, informam sobre supostas transações suspeitas e convencem a pessoa a entregar o cartão a um “motoboy” para análise. Uma vez com o cartão em mãos, realizam saques e compras indevidas.
No contexto brasileiro, esses golpes exploram a confiança nas instituições bancárias e a falta de familiaridade de alguns com tecnologias de segurança. De acordo com dados do Banco Central, as fraudes bancárias cresceram mais de 30% nos últimos anos, afetando principalmente idosos e pessoas com menor acesso a educação digital.
Esse tipo de crime não só causa prejuízos financeiros, mas também estresse emocional, abalando a confiança no sistema bancário como um todo.
Como o golpe afeta consumidores idosos
Idosos são alvos preferenciais devido à sua hipervulnerabilidade, um conceito reconhecido pela lei que considera fatores como idade avançada, menor agilidade com ferramentas digitais e maior suscetibilidade a manipulações. No caso em questão, o consumidor tinha 69 anos na época dos fatos, o que agravou sua exposição.
Os fraudadores usaram informações sigilosas – como nome, endereço, CPF e dados da conta – para ganhar credibilidade, induzindo-o a acreditar que a ligação era legítima.
Essa vulnerabilidade é agravada pelo fato de que muitos idosos gerenciam finanças sozinhos, sem suporte familiar imediato. Relatórios da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) indicam que golpes contra idosos representam cerca de 40% das reclamações relacionadas a fraudes.
O impacto vai além do dinheiro perdido: há danos à saúde mental, com relatos de ansiedade e depressão pós-incidente.

O contexto legal das fraudes bancárias
No Brasil, as relações entre bancos e clientes são regidas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), que classifica os serviços bancários como de consumo. Isso significa que os bancos têm responsabilidade objetiva pelos danos causados, independentemente de culpa intencional.
Em outras palavras, se houver falha no serviço, o banco responde pelos prejuízos.
A teoria do risco do empreendimento é central aqui: ao oferecer serviços financeiros, os bancos assumem os riscos inerentes à atividade, incluindo fraudes por terceiros.
Isso é reforçado pela Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que afirma que instituições financeiras respondem objetivamente por danos de fortuito interno relacionados a fraudes praticadas por terceiros em operações bancárias.
Fortuito interno refere-se a eventos previsíveis dentro do risco do negócio, como golpes que exploram falhas de segurança.
Além disso, a Súmula 94 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) estabelece que o fato de terceiro não exclui o dever de indenizar quando relacionado ao risco da atividade. Para idosos, o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) amplia a proteção, exigindo cuidado redobrado dos fornecedores.
Aplicação da lei em casos de golpe do motoboy
Em fraudes como essa, os tribunais analisam se o banco cumpriu deveres de segurança, cooperação e informação. Por exemplo, bancos devem monitorar transações atípicas e bloquear operações suspeitas. Se não o fazem, incorrem em falha de serviço.
A participação de terceiros nos golpes não isenta o banco, pois isso é visto como risco inerente ao negócio.
Casos semelhantes já resultaram em condenações. Um estudo do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) mostra que, em 70% das ações judiciais por fraudes bancárias, os consumidores saem vitoriosos quando provam a falha do banco.
Isso inclui restituição de valores, correção monetária e juros, além de possíveis danos morais – embora, nesse caso específico, o foco tenha sido em danos materiais.

Um exemplo real: o caso contra o Banco do Brasil
Vamos examinar um caso recente como ilustração de como esses princípios se aplicam na prática.
Em novembro de 2022, um consumidor idoso recebeu uma ligação de alguém se passando por funcionário do Banco do Brasil. O interlocutor forneceu dados pessoais sigilosos, alertando sobre clonagem de cartão e compras suspeitas.
Convencido, o consumidor entregou o cartão a um motoboy para “perícia”. Logo após, ocorreram transações fraudulentas: quatro compras e dois saques no cartão de débito, totalizando R$20.890,00, e três compras no cartão de crédito, somando R$39.740,00 – um total de R$60.360,00.
Temendo inadimplência, o consumidor pagou R$15.896,00 da primeira fatura. Ele então ajuizou ação pedindo declaração de inexistência de débito e restituição.
O banco defendeu-se alegando fortuito externo (evento fora de seu controle), culpa exclusiva da vítima por entregar o cartão e que as transações usaram chip e senha. Argumentou ainda que bloqueou o cartão ao ser notificado e que não houve falha em seus serviços.
A sentença inicial julgou procedente o pedido em parte, declarando a fraude e condenando o banco a restituir R$15.896,00 (com correção desde o desembolso e juros desde a citação) e R$20.890,00 (com correção e juros). Confirmou tutela de urgência que suspendeu parcelas restantes. O banco apelou, mas o TJRJ, na 6ª Câmara de Direito Privado, negou provimento por maioria.
A relatora, Desembargadora Valéria Dacheux, enfatizou a responsabilidade do banco no golpe do motoboy, classificando-o como fortuito interno. Destacou que a entrega do cartão não configurou culpa exclusiva, pois o consumidor foi induzido por informações sigilosas que o banco deveria proteger.
As transações atípicas não foram bloqueadas, violando deveres de segurança. Fixou honorários recursais em 2% sobre a condenação, além dos 10% iniciais.
Esse exemplo demonstra como os tribunais priorizam a proteção ao consumidor hipervulnerável, responsabilizando o banco por não prevenir ou mitigar o dano.
Lições da decisão judicial
Essa decisão reforça que bancos não podem transferir todo o ônus da segurança para o cliente. Ela pode influenciar casos semelhantes ao estabelecer precedentes para que juízes exijam mais proatividade das instituições financeiras, como alertas em tempo real para transações incomuns.
Para outros consumidores, serve de alerta: golpes evoluem, mas decisões como essa mostram que a justiça pode restaurar direitos. No entanto, cada caso é único, dependendo de provas como extratos e boletins de ocorrência.
Orientações práticas para vítimas de golpes bancários
Se você suspeitar de fraude, aja rápido. Primeiro, contate o banco imediatamente para bloquear cartões e contestar transações. Registre um boletim de ocorrência policial, que serve como prova essencial.
Guarde todos os documentos: extratos, comprovantes de pagamento e comunicações com o banco. Se o banco não resolver administrativamente, considere uma reclamação no Banco Central ou no Procon.
Para ações judiciais, reúna evidências de que as transações eram atípicas em relação ao seu perfil. Idosos devem destacar sua condição de hipervulnerável para fortalecer o argumento.
É recomendável buscar apoio jurídico especializado. Advogados experientes em golpes financeiros e em direito do consumidor podem avaliar o caso, preparar a ação e maximizar chances de sucesso, incluindo pedidos de restituição de danos materiais e morais.

Prevenção é chave: nunca entregue cartões a terceiros, verifique ligações diretamente com o banco via canais oficiais e ative notificações de transações. Bancos oferecem ferramentas como autenticação em dois fatores – use-as.
Conclusão
Decisões como essa protegem consumidores de práticas abusivas, promovendo um sistema financeiro mais justo. Elas incentivam bancos a investir em segurança, beneficiando todos.
Dados objetivos do caso:
- Data da decisão: Não especificada explicitamente no acórdão, mas o processo é de 2023, com fatos em novembro de 2022.
- Número do processo: 0803542-40.2023.8.19.0209.