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Descredenciamentos irregulares em convênios médicos têm se tornado cada vez mais frequentes e há um fator em comum que chama a atenção: essa prática ocorre, principalmente, em planos de saúde individuais, que somam 16% dos contratos no país.
Infelizmente, de acordo com especialistas, a incidência maior nesses contratos não se trata de uma mera coincidência. Na realidade, há um movimento das operadoras para favorecer os planos coletivos.
“Existe uma tendência do mercado de sempre buscar as soluções que são desreguladas, ou seja, tentar ofertar para o consumidor aquele tipo de plano de saúde que tem menos proteção por parte do Estado”, explica Matheus Falcão, especialista em saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
Segundo o advogado, “há essa tendência até de se criar pessoas jurídicas quase artificiais, pequenos CNPJs, por exemplo MEIs, para que se contrate um plano só nesse esquema de plano empresarial”.
Mas, será que os métodos utilizados pelas operadoras de saúde são legais? Siga na leitura para descobrir.
Por que as operadoras querem migrar os beneficiários de planos de saúde individuais para contratos coletivos?
Os planos de saúde individuais e familiares são os que possuem maior regulamentação entre todas as modalidades disponíveis e, por isso, muitas pessoas ainda procuram esses contratos em busca de mais segurança.
No entanto, embora o grande número de regulamentos favoreça o consumidor, a situação é diferente para as operadoras de saúde, que se sentem prejudicadas pela influência dos órgãos normativos.
Um exemplo dessa diferença de regulamentação é o reajuste anual do plano de saúde que, para planos individuais, é calculado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e não pelo mercado, como é o caso dos planos coletivos.
Essa falta de normas para planos coletivos permite que as operadoras façam aumentos expressivos e, em alguns casos, abusivos. Isso pôde ser observado em 2022, quando a ANS estabeleceu um aumento de 15,5% para os planos individuais.
De acordo com dados da agência, o percentual médio de reajuste de planos empresariais com até planos empresariais com até 29 foi de 8,7%, porém há registros de aumentos de mais de 100% em alguns contratos.
Por causa dessa discrepância, é do interesse dessas prestadoras de serviço que os clientes de planos de saúde individuais e familiares sejam redirecionados para outras modalidades de contrato menos “vigiadas”.
O problema é que a maneira que as operadoras de saúde encontraram para atingir esse objetivo foi reduzir a qualidade dos serviços prestados, e os consumidores vêm sentindo a diferença.
Como as operadoras estão acabando com esses contratos?
Como observado acima, a principal estratégia é o descredenciamento de profissionais, hospitais, clínicas e laboratórios. Nessa situação, o paciente costuma ser pego de surpresa e enfrenta dificuldades para encontrar outras opções.
“Esse tipo de quebra é algo terrível para o usuário, até pelo impacto ao longo da sua trajetória de cuidado. A questão da assistência, da quebra do vínculo com o profissional de confiança, tudo impacta o direito à saúde. No campo da saúde suplementar, até pela desregulamentação, há menos proteções”, afirma Falcão.
Um dos exemplos mais recentes dessa prática, que vem acontecendo com frequência, foi a tentativa de transferência da carteira de planos de saúde individuais e familiares da Amil para a empresa Assistência Personalizada à Saúde (APS).
Na época, a APS, que tinha apenas 11 mil clientes, não tinha estrutura para atender os beneficiários dos planos inclusos na operação (que eram cerca de 340 mil) e logo as reclamações começaram.
A ANS foi alvo de duras críticas e a pressão pública para a suspensão da transferência desses consumidores foi tão grande que a agência começou a investigar a operação com mais cuidado.
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Logo foi apurado que a alegação da Amil de que esses clientes seriam protegidos já que a APS fazia parte do mesmo grupo econômico não passava de uma mentira, afinal as quotas da APS estavam em processo de venda.
A investigação também apontou que os compradores das quotas da APS não tinham condições financeiras de garantir o equilíbrio da operadora e, por isso, a venda da carteira da Amil para a APS foi suspensa.
“Era papel da Agência analisar o pedido para além dos aspectos formais e burocráticos e interpretar os sinais do mercado que, neste caso, eram preocupantes desde o início e foram denunciados pelo Idec mais de uma vez, desde 2021. Situações como essa não podem voltar a acontecer”, afirmou à época Ana Carolina Navarrete, advogada e coordenadora do programa de Saúde do Idec.
Essa é a única questão que dificulta a permanência nesses contratos?
Casos recentes também apontam outro movimento em favor do fim dos planos individuais e familiares: a falta de opção.
A tendência do setor de saúde suplementar é a diminuição da concorrência, com a concentração do serviço em poucas empresas, como pudemos observar durante a compra da SulAmérica pela Rede D’Or.
“Vale registrar o ineditismo de ver uma seguradora tradicional, empresa do setor financeiro com atuação forte em seguro-saúde, passar a ser controlada por um grupo do setor de serviços na saúde. Os novos controladores revelam que o seu interesse pela compra está baseado na complementaridade de atuação dos dois grupos”, ressaltou o sanitarista José Sestelo.
Sestelo enxerga o episódio como um exemplo de que, embora essas empresas não se encaixem formalmente no setor financeiro, elas se comportam de tal maneira.
Como resultado, o objetivo social de preservação à saúde se torna um figurante.
Mas, esses descredenciamentos são legais?
Nem sempre.
O que define a legalidade de um descredenciamento é a maneira como ele ocorre, afinal existem regras a serem cumpridas:
- Para descredenciamento de hospitais: deve haver substituição por outro equivalente e a ANS deve ser notificada com 30 dias de antecedência. Não é necessário informar os beneficiários individualmente.
- Para descredenciamento de médicos, clínicas e laboratórios: deve haver substituição equivalente, mas não é necessária autorização da ANS nem notificação prévia. Já os beneficiários devem ser informados pelo site e pela Central de Atendimento do convênio, com pelo menos 30 dias de antecedência, e o aviso deve ser mantido para consulta por 180 dias.
- Para redução da rede credenciada: é necessária a autorização da ANS e, caso a rede hospitalar seja reduzida, não podem ser incluídos hospitais que tenham feito internação nos 12 meses anteriores à solicitação de exclusão. Se tiver ocorrido um único atendimento no período, a operadora deverá mantê-lo ou substituí-lo.
Se essas regras foram descumpridas, o descredenciamento é considerado irregular.
O que o segurado pode fazer diante de um descredenciamento irregular?
Diante de descredenciamentos irregulares, é recomendável entrar em contato com o plano de saúde e tentar resolver de forma amigável. Porém, se não houver sucesso, o segurado pode acionar órgãos de defesa ao consumidor como, por exemplo:
- o portal Consumidor.gov;
- os canais de atendimento da ANS;
- o Procon do seu estado.
Em último caso, há ainda a possibilidade de acionar a Justiça e solicitar a cobertura do procedimento.
Para ajuizar a ação, é recomendável buscar a orientação de um advogado especialista em Direito à Saúde e Direitos do Consumidor. Além disso, o paciente deve reunir alguns documentos:
- comprovantes da abusividade sofrida;
- o comprovante de residência;
- a carteirinha do plano de saúde;
- o contrato com o plano de saúde (se possível);
- cópias do RG e do CPF;
- comprovantes de pagamentos das mensalidades (geralmente as duas últimas).
O Escritório Rosenbaum Advogados tem vasta experiência no setor de Direito à Saúde e Direitos do Consumidor. O contato pode ser feito através do formulário no site, WhatsApp ou pelo telefone (11) 3181-5581.
Todo o envio dos documentos e os trâmites do processo são feitos de forma digital, sem necessidade da presença do cliente.
Imagem em destaque: Freepik (DCStudio)