Conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ), os planos de saúde não são mais obrigados a cobrir procedimentos fora da lista da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). No entanto, existem exceções para a taxatividade do rol da ANS.
A advogada especialista em Direito à Saúde do escritório Rosenbaum Advogados, foi convidada pela Folha de São Paulo para esclarecer essas brechas e dar um novo fôlego aos pacientes que dependem dos medicamentos para cura. Confira a matéria.
Quais as exceções para a taxatividade do rol da ANS?
O primeiro ponto explicado pelos juristas é que a tese do STJ não tem efeito vinculante. Em outras palavras, outros órgãos do Judiciário não são obrigados a seguir esse entendimento, o que permite a cada juiz decidir entre seguir ou não a nova jurisprudência.
No entanto, segundo Tiago Matos, assessor jurídico da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), “há uma certa tendência dos juízes de primeira e segunda instância seguirem o entendimento majoritário do STJ para que evitem o risco de ter as suas decisões cassadas”.
Também existem exceções para a taxatividade do rol da ANS, que garantem ao beneficiário a cobertura de tratamentos não previstos quando eles atendem aos seguintes requisitos:
- não pode existir tratamento substitutivo previsto no Rol ou, caso exista uma alternativa, a mesma deve estar esgotada;
- a inclusão do procedimento solicitado não pode ter sido expressamente indeferida pela ANS;
- deve ser comprovada a eficácia do tratamento, com evidências científicas;
- deve existir recomendações de órgãos científicos nacionais e internacionais para o uso do tratamento.
Segundo os advogados, essas exceções para a taxatividade do rol da ANS podem ser exploradas nas petições.
A decisão do STJ é prejudicial para os beneficiários?
Para Léo Rosenbaum, coordenador da área de Direito à Saúde do escritório Rosenbaum Advogados, o entendimento é um retrocesso.
“É um brusco retrocesso, mas a porta não está totalmente fechada. Vai ser mais trabalhoso e provas mais robustas sobre a validade do tratamento serão necessárias. De todo modo, é tudo muito novo, o que causa muita preocupação entre meus clientes”, diz.
Antes da decisão, o rol era considerado exemplificativo, o que possibilitava a cobertura de tratamentos diversos para atender às necessidades dos pacientes. Agora, mesmo com exceções para a taxatividade do rol da ANS, a margem interpretativa é bem menor.
No entanto, a especialista esclarece que ainda é possível que os beneficiários incluam suas terapias no rol. Segundo ela, os ministros não quiseram dar um parecer engessado e, por isso, incluíram exceções para a taxatividade do rol da ANS que podem ser exploradas.
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Seguindo a lei 14.307/22, a ANS é obrigada a deliberar sobre a inclusão de tratamentos oncológicos no rol em até 120 dias. Para outros tratamentos, o prazo é de até 180 dias.
Porém, a inclusão pode ser negada quando houver uma “justificativa razoável”, o que, para a advogada, deixa um caminho livre para que a ANS negue pedidos.
Como observado acima, foi decidido pelo STJ que, não havendo ou estando esgotados os substitutos previstos pelo rol da ANS, pode haver, em caráter excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico.
Para isso, a corte estabelece que é necessário que haja comprovação científica da eficácia do tratamento e recomendações de órgãos técnicos de renome nacional e estrangeiro.
De acordo com Nelson Nogueira, advogado do escritório N. Nogueira, a decisão do STJ seria uma afronta ao direito constitucional à saúde e, nesse sentido, existem medidas legais que podem ser tomadas contra a decisão.
“Associações como o Instituto Brasileiro de Defesa ao Consumidor, dentre outras, poderiam recorrer ao Supremo. Mas é um processo demorado e, durante a espera, fica uma incógnita sobre como os casos serão julgados”, explica Nogueira.
O advogado também expressou surpresa com a decisão do STJ, pois, segundo ele, “os bastidores indicavam que os ministros manteriam a jurisprudência anterior”. No entanto, o especialista reconheceu a imprevisibilidade da corte.
“Sempre foi aleatório para os meus clientes. Casos idênticos eram acatados pela segunda turma [do STJ] e negados pela terceira”, explica.
Sobre a decisão, Nogueira acredita que ainda é cedo para concluir como agir juridicamente. “Vai ser caso a caso, até para pedidos de liminar. Não dá para prever nada. Temos que observar e pensar uma estratégia de defesa. Vamos contar com a leitura e sensibilidade dos juízes”.
Já a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) acredita que a decisão do STJ é justa.
Cassio Ide Alves, superintendente médico da Abramge, afirma que a nova jurisprudência garante que tratamentos só sejam incorporados ao rol da ANS com base em evidências científicas, o que elimina as brechas para a inclusão de terapias ainda sem consenso entre os especialistas.
Para Alves, a comoção sobre o tema é fruto de desinformação. “Não há motivo para preocupações. O medo é real, as pessoas têm medo, mas é pura falta de informação. A incorporação de novos medicamentos é feita de forma contínua. Tendo provas da eficácia, basta provocar a ANS”.