O nome de cada indivíduo é um direito básico que constitui a construção da identidade do ser humano, além de identificá-lo e diferenciá-lo dos demais.
No Brasil, esse é um direito fundamental outorgado a todas as pessoas, uma vez que a legislação determina que o nome faz parte dos chamados direitos da personalidade.
Todavia, em alguns casos, o nome atribuído a determinada pessoa não representa o gênero com o qual se identifica. Nesses casos, ela tem o direito de utilizar o Nome Social.
Compreenda o que é identidade de gênero e saiba qual a importância do Nome Social sob a ótica dos direitos humanos.
O que é o nome?
Antes de mais nada, é necessário entender o que determina a lei brasileira acerca da definição do que é o Nome Civil ou Registro Civil.
O Art. 16 da Lei n˚10.406/2002, que institui o Código Civil (CC), dá a seguinte providência:
- Art. 16 – Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.
Vale ressaltar, que o referido artigo faz parte do rol de direitos fundamentais do indivíduo, que têm como principais objetivos a preservação da dignidade e da integridade física, moral, psicológica e emocional das pessoas.
Portanto, o direito ao nome é uma ramificação dos direitos da personalidade, subjetivo e intrínseco à pessoa humana.
Além disso, o Código Civil delineia mecanismos de proteção ao nome de cada indivíduo, estabelecendo as seguintes medidas:
- Art. 17 – O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória;
- Art. 18. Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial.
Ademais, o Art. 19 do CC determina a proteção do pseudônimo, delimitando o seguinte regramento:
- Art. 19 – O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome.
Por fim, o direito ao nome está garantido no Art. 5º, inciso LXXVI, alínea a da Constituição Federal de 1988 da seguinte maneira:
- Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXXVI – são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei:
a) o registro civil de nascimento.
O que é o Nome Social?
Em suma, o Nome Social é o nome pelo qual determinada pessoa deseja ser tratada, podendo estar relacionado à identidade de gênero ou não, diferente do Nome Civil, ou seja, aquele que foi oficialmente registrado.
Todavia, o Nome Social é de extrema importância para as pessoas não-cisgêneras (travestis, mulheres e homens transexuais e transgêneros, não binárias, transvestigêneres, genderqueer, agênero, entre outros) uma vez que é o nome pelo qual essas pessoas se identificam e são reconhecidas na sociedade.
Contudo, esse procedimento é um direito que deve ser exercido mediante solicitação do próprio interessado, de modo a identificar adequadamente aqueles cuja identificação civil não reflita adequadamente sua identidade.
Mas afinal, o que é Gênero?
Em síntese, o gênero é um conceito adotado para distinguir a dimensão biológica da dimensão social, uma vez que a maneira de ser homem e de ser mulher é idealizada pela cultura. Assim, está vinculado à construções sociais e não a características naturais.
Portanto, o gênero representa aquilo que foi definido ao longo tempo e que a sociedade entende como o papel, a atribuição ou o comportamento esperado de alguém com base em seu sexo biológico.
Identidade de Gênero
Por sua vez, a identidade de gênero é como a pessoa se reconhece em relação a sua própria experiência com o gênero que lhe foi imposto ao nascer.
Assim, uma pessoa transgênera se reconhece no gênero oposto àquele que lhe foi designado no nascimento, enquanto que uma pessoa cisgênera se reconhece no gênero que lhe foi designado ao nascer.
Para que serve o Nome Social?
O nome social é utilizado para adequar o senso de identidade da pessoa àquilo que essa pessoa representa socialmente.
Logo, os principais objetivos são evitar a exposição desnecessária do indivíduo e o constrangimento de ser tratado de uma forma que não condiz com sua condição humana, psicológica, moral, intelectual e emocional.
Portanto, o Nome Social serve, principalmente, para evitar constrangimentos pelo uso do nome de registro que não reflete a identidade de gênero de determinado indivíduo.
Qual a legislação que disciplina o Nome Social?
Em âmbito federal, o Decreto n ˚8.727, da Presidência da República, normatizou o uso do nome social pelos órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
Isso significa que nos órgãos da União Federal é obrigatório o respeito ao nome social, ou seja, caso compareça a uma autarquia federal como o Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS), a Receita Federal ou universidades federais, é seu direito ser respeitado pelo nome e gênero pelo qual se entende, independente de retificação do registro civil em cartório ou por ação judicial.
O mesmo vale para qualquer unidade de atendimento da área da saúde e hospitais do país.
Por essa razão, muitos desses lugares incluem um campo em seus formulários de atendimento destinado ao Nome Social.
Ademais, destaca-se também a Portaria n˚ 1.612/ 2011 que assegura às pessoas transexuais e travestis o direito à escolha de tratamento nominal nos atos e procedimentos promovidos no âmbito do Ministério da Educação.
Vale ainda destacar, a Resolução n˚ 270 de 11/12/2018, que dispõe sobre o uso do nome social pelas pessoas trans, travestis e transexuais usuárias dos serviços judiciários, membros, servidores, estagiários e trabalhadores terceirizados dos tribunais brasileiros.
É importante salientar que no âmbito estadual e municipal cada autarquia tem sua legislação própria acerca do tema.
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Lei do Nome Social em São Paulo
No Estado de São Paulo, destaca-se o Decreto n˚55.588/2010 que assegura às pessoas transexuais e travestis o direito à escolha de tratamento nominal nos atos e procedimentos promovidos no âmbito da Administração direta e indireta do Estado de São Paulo, dentre eles hospitais, escolas, universidades, polícia, Detran e Metrô.
No âmbito municipal, protagoniza o Decreto n˚ 58.228/2018, que dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de travestis, mulheres transexuais e homens trans em todos os órgãos da Administração Pública Municipal Direta, autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista municipais, serviços sociais autônomos instituídos pelo Município.
Qual a importância do Nome Social?
O fato de uma pessoa não se identificar com o sexo do nascimento e ser impedida de adequar seu corpo e sua identidade à sua identidade de gênero podem resultar em sofrimento psíquico que é acentuado pela discriminação social.
Nesse sentido, a discriminação e o preconceito vivenciados pela população LGBTQIA+ , devido à intolerância à identidade de gênero e/ou à orientação sexual, ocasionam graves implicações no âmbito da violação de direitos.
De acordo com a Transgender Europe (TGEU), rede europeia de organizações que apoiam os direitos da população transgênero, o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo.
Entretanto, a Constituição da República Federativa do Brasil, logo em seu Art. 1º, aponta quais são seus fundamentos, dentre eles, a dignidade da pessoa humana.
Além disso, em seu Art. 3º, prescreve que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é o da promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Na mesma via, o art. 5˚ da Carta Magna determina que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” e garante a punição de qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.
Por fim, o referido artigo define que cabe ao Estado assegurar instrumentos adequados para a proteção de toda e qualquer forma de tratamento desumano ou degradante contra quaisquer pessoas, seja praticado por órgãos públicos ou por outras pessoas.
Portanto, o Estado tem obrigação de respeitar, proteger e cumprir os direitos humanos de todas as pessoas sob sua jurisdição, incluindo pessoas LGBTQIA +.
Nesse sentido, o Nome Social é um dispositivo que auxilia a zelar pelo gozo dos direitos humanos, evitando abusos por parte de terceiros. Quem define o nome social é a própria pessoa.
Desse modo, mesmo que uma pessoa solicite utilizar um nome social entendido como feminino, mas se apresenta com vestimentas ou atributos que são culturalmente considerados masculinos ou vice-versa, o nome social que ela solicitar é assegurado por lei.
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