O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julga, desde o dia 7 de dezembro de 2022, ações que questionam a constitucionalidade do orçamento secreto.
Vale lembrar, que esse mecanismo de transferência de recursos públicos surgiu com a criação de uma nova modalidade de emendas parlamentares durante o governo Bolsonaro.
Contudo, tais emendas vêm sendo alvo de polêmicas, uma vez que a oposição política as vincula com a corrupção e a compra de apoio ao governo vigente.
Isso posto, veja a seguir a definição dos conceitos básicos que envolvem a compreensão desse tema e saiba porque surgiu a caracterização de “orçamento secreto” na mídia.
O que é o orçamento público?
Primeiramente, para compreender o que é o orçamento secreto é preciso entender alguns outros conceitos importantes que são utilizados no jargão parlamentar. Entre eles, destaca-se o orçamento público.
De acordo com o Ministério da Economia, o orçamento público é o instrumento de planejamento que detalha a previsão dos recursos a serem arrecadados, como por exemplo os impostos, e a destinação desses recursos, ou seja, em quais despesas eles serão utilizados a cada ano.
Portanto, ele é fundamental para o equilíbrio das contas públicas, indicando quais serão as prioridades do Governo para a sociedade.
Anualmente, a União, cada estado e cada município elaboram seu orçamento. Assim, no Orçamento da União, por exemplo, é possível encontrar os valores que o Governo Federal pretende gastar com o seu funcionamento e com a execução das políticas públicas, como saúde, educação e segurança.
Enfim, conforme estabelecido na Constituição Federal, um novo orçamento deve ser elaborado pelo Poder Executivo e autorizado pelo Poder Legislativo na forma de uma Lei Orçamentária Anual. Seu período de vigência coincide com o ano civil.
Qual a legislação que disciplina o orçamento público?
Existe uma Lista de Atos Normativos disponibilizada no site do Ministério da Economia que disciplina o orçamento público.
Entretanto, é possível destacar a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que apresenta dois importantes documentos estabelecidos por lei. São eles:
- Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) – tem o papel de orientar a elaboração da Lei Orçamentária Anual. Inclui metas e prioridades para a administração pública no ano, estabelece diretrizes e metas de política fiscal, entre outros assuntos. A partir do que está estabelecido na Lei de Responsabilidade Fiscal, ela também aborda outros temas como, por exemplo, metas e riscos fiscais, equilíbrio de receitas e despesas;
- Lei Orçamentária Anual (LOA) – apresenta a programação dos gastos governamentais, bem como a previsão das receitas para custear esses gastos. Trata-se de um único documento constituído por três partes: o Orçamento Fiscal, o Orçamento da Seguridade Social e o Orçamento de Investimento das Empresas Estatais.
É importante frisar que ambas são iniciadas por proposta do Poder Executivo no ano anterior ao de sua vigência, apreciadas e aprovadas pelo Congresso Nacional e sancionadas pelo Presidente da República para serem validadas.
O que são emendas parlamentares?
Agora, é necessário entender outro conceito fundamental que envolve a compreensão do que é o orçamento secreto, trata-se da emenda parlamentar.
De acordo com a Constituição Federal de 1988, as emendas parlamentares são um instrumento do Congresso Nacional para participar da elaboração do orçamento anual.
Nesse contexto, permite que deputados e senadores realizem alterações no orçamento público anual, que é proposto pelo Executivo, uma vez que os parlamentares têm o direito de indicar onde deve ser aplicado determinado recurso, para, em tese, suprir as demandas de comunidades que representam.
Quais são as áreas temáticas das emendas parlamentares?
De acordo com a Agência Senado, as áreas temáticas das emendas parlamentares são as seguintes:
- infraestrutura;
- saúde;
- integração nacional e meio ambiente;
- educação, cultura, ciência e tecnologia;
- esporte;
- planejamento e desenvolvimento urbano;
- fazenda, desenvolvimento e turismo;
- justiça e defesa;
- poderes do Estado e representação;
- agricultura e desenvolvimento agrário;
- trabalho, previdência e assistência social.
Quais são os tipos de emenda parlamentar?
As emendas dividem-se em quatro tipos:
- Individuais (RP6) – verba destinada individualmente a parlamentares, com caráter impositivo desde 2015. Isso significa que cada parlamentar decide onde alocar o dinheiro. Tal emenda é obrigatória, ou seja, precisa necessariamente constar no orçamento;
- De bancada (RP7) – verba destinada às bancadas estaduais, com caráter impositivo desde 2019. Tratam-se portanto de emendas coletivas, também obrigatórias, elaboradas por deputados do mesmo estado ou região;
- De comissão (RP8) – verba destinada às comissões temáticas do Congresso. Não são impositivas, portanto, são emendas coletivas de comissões permanentes da Câmara ou do Senado. Não é obrigatória.
- De relator (RP9) – emenda que permite ao relator-geral do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) alterar ou incluir despesas. Assim como a RP8, não é obrigatória.
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O que é o orçamento secreto?
É primordial entender que foram as emendas de relator que deram origem ao orçamento secreto.
Em síntese, o orçamento secreto ou emenda do relator é uma prática legislativa brasileira para destinação de verbas do orçamento público a projetos definidos por parlamentares sem a identificação destes.
Conforme esclarece o Congresso Nacional, trata-se de emenda à programação da despesa a fim de corrigir erros e omissões de ordem técnica ou legal, recompor, total ou parcialmente, dotações canceladas, limitada a recomposição ao montante originalmente proposto no projeto e atender às especificações dos pareceres preliminares.
Vale destacar que a principal diferença desse tipo de emenda parlamentar para as outras consiste no fato de que ela é definida pelo deputado federal ou senador escolhido como relator-geral do orçamento a cada ano.
Ademais, é importante ressaltar que esse dispositivo legal concedeu ao Congresso Nacional a possibilidade de controlar uma quantia maior do Orçamento do que aquela a que deputados e senadores já tinham direito por meio dos outros tipos de emenda parlamentares.
Quem é o “relator”?
O relator é o parlamentar designado pelo presidente da comissão para apresentar parecer sobre matéria de competência do colegiado.
O relator é designado no período de dois dias úteis após o recebimento do projeto e é escolhido de acordo com a proporção das bancadas partidárias ou blocos.
Cabe salientar que o relator do projeto é também o das emendas de Plenário, mas fica impedido de relatar emendas por ele apresentadas em Plenário, caso em que é designado outro senador para essa tarefa.
Por fim, excepcionalmente o presidente da comissão pode atuar como relator.
Quando surgiu o orçamento secreto?
A iniciativa para a criação do orçamento secreto, com as emendas RP9, partiu do Legislativo em 2019 durante a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2020.
Como surgiu o termo orçamento secreto na mídia?
A denominação foi dada pelo jornal O Estado de S.Paulo, que publicou, em janeiro de 2021, uma reportagem semanal sobre a liberação de R$ 3 bilhões do governo a centenas de congressistas em meio às eleições para a Câmara dos Deputados e para o Senado Federal.
Por que as emendas de relator são chamadas de orçamento secreto?
A caracterização como “orçamento secreto” surgiu na mídia, tendo em vista a falta de transparência acerca dos valores de cada repasse, dos nomes dos parlamentares envolvidos e dos destinos das verbas.
Ao contrário das emendas tradicionais, esses dados não são informados, o que além de dificultar a fiscalização, pode facilitar, na prática, os casos de corrupção.
Qual é o valor do orçamento secreto?
Em 2020, as emendas de relator tiveram R$ 13,1 bilhões em valores aprovados. Já em 2021, esse valor subiu para R$ 17,14 bilhões.
Segundo o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), em 2022 essa quantia corresponde a R$ 16 bilhões.
Portanto, a soma desses três anos de valores autorizados chega a R$ 46,2 bilhões.
Enfim, vale destacar que o montante destinado desde o primeiro ano de início das emendas de relator superou demasiadamente a cifra destinada aos outros tipos de emendas parlamentares.
Julgamento das ações no Supremo Tribunal Federal (STF)
Cabe lembrar que em novembro de 2021, o plenário do Supremo referendou a liminar da ministra Rosa Weber que suspendeu a execução dos recursos orçamentários das emendas do relator.
Já em dezembro do mesmo ano, a relatora liberou a continuidade das emendas depois que o Senado e a Câmara dos Deputados se comprometeram a seguir novas regras de transparência.
Diante disso, as emendas de relator passaram a ser questionadas em ações judiciais, por não oferecerem a transparência que foi determinada pelo STF, segundo os partidos que as impetraram, sendo eles o PSOL, o PSB, o Cidadania e o PV.
Agora, o plenário deve avaliar, em definitivo, se o Legislativo efetivamente deu transparência às emendas.
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